A praia deles

Estamos no fim de janeiro. Nessa época de férias e carnaval, um dos destinos mais procurados pelos brasileiros é a capital baiana, Salvador. Garanto que todos conhecem alguém que faz planos, malas e destinos para ir até lá aproveitar o sol, a praia e o clima quente da cidade. 

Mas saiba que dois irmãos fizeram justamente o caminho contrário. Trocaram a areia da praia e o sol por neve, muita neve. Saíram de um local que até no inverno registra altas temperaturas para uma cidade que frequentemente registra menos de zero grau nesse período que seria de férias e diversão para os demais brasileiros. 

Se você já sentiu calafrios só de pensar nisso, saiba também que esses dois jovens, a mais velha tem 14 anos e o rapaz tem 13, gostaram do que encontraram. E a partir desta segunda-feira, dia 28, eles se preparam para representar o Brasil num dos mais importantes torneios de esqui alpino infantil: o Troféu Borrufa, que acontece no Principado de Andorra, um pedaço de terra entre a Espanha e a França. 

Esmeralda e Nathan Alborghetti são os principais nomes do país nesta competição - o jovem Francisco Nobre, que também tem influência na família (sua irmã, Eliza, competiu nos Jogos Olímpicos da Juventude de Inverno) é outro que estará presente. Os três competem nas provas sub-14 e sub-16 que acontecem de segunda até quinta-feira, dia 31.

Esmeralda Alborghetti (Divulgação/Bendita Ideia)

Ao contrário de outros atletas brasileiros, que veem neve apenas nas competições, os dois já estão acostumados com a neve. Eles nasceram em Salvador, mas mudaram-se para a Itália quando tinham por volta de seis anos de idade, acompanhando os pais. E nada de lamentar invernos rigorosos, pelo contrário. 

"Foi relativamente fácil se adaptar ao gelo das montanhas. Esquiar se pratica apenas nas montanhas de inverno e com temperaturas geralmente abaixo de 0°. Tem época do ano, geralmente entre dezembro e janeiro, que a temperatura chega a -20° nas pistas", comentou os irmãos em entrevista por e-mail com o Blog.

O que é heresia para alguns, virou brincadeira para eles. Parentes e amigos que ficaram em Salvador custam a acreditar que é possível suportar temperaturas tão baixas. "Em Salvador, quando a temperatura chega a 18°/19° graus no mês de julho, as pessoas falam 'está um frio danado!'. É engraçado!", brincam.

Brincam até mesmo de esquiar por enquanto. Ainda adolescentes, ambos confessaram que esquiam por divertimento e paixão, o que fazem muito bem. Deixem a pressão por resultados para o esporte de alto rendimento. O importante nesta faixa etária é aproveitar o clima de competição. É assim que se evolui nesta faixa etária. 

"O esqui club é uma experiência de vida muito legal: muitos amigos e amigas com mesmo amor e paixão pelo esqui. Nós esquiamos com os mesmos amigos de quando começamos a esquiar, aos 6,7 anos de idade. Uma turma muito legal do Scii Club Tre NEVI di Ovindoli". 

Mesmo assim, fazem alguns planos. Querem, por exemplo, disputar os Jogos Olímpicos da Juventude e pensam nas Olimpíadas de 2018, na Coréia do Sul, quando terão 19 e 18 anos.  


Além disso, pensam grande: querem participar do Circuito da Copa do Mundo, que possuem critérios mais seletivos, e ainda colocar o Brasil à frente de outros países sul-americanos no esqui alpino. "Para nós agora é importante não ficar atrás dos outros atletas sulamericanos, como os argentinos, por exemplo".


Nada mal para uma brincadeira que começou quase por acaso. Eles não almejavam tornarem-se esquiadores da equipe brasileira. Na verdade, nem treinavam quando chegaram na Itália.


Nathan Alborghetti (Divulgação/Bendita Ideia)
Mas alguns anos atrás, em dezembro, a família já estava com passagens compradas para passar as férias no calor de Salvador. Mas quis o destino que Esmeralda ficasse doente dias antes da viagem. Como tiveram que ficar na Itália, Nathan foi levado para montanhas perto de Roma a fim de conhecer o esqui alpino. 

"Nathan adorou a neve e o esqui e passou a pedir diariamente a nossos pais para leva-lo para esquiar toda semana durante as férias de Natal. De tanto Nathan falar do esqui, Esmeralda também quis conhecer o esporte. E também amou e nunca mais parou", comentaram.

Daí para começarem a competir foi um pulo. Depois, foi só os pais entrarem em contato com a CBDN para os irmãos serem inscritos como atletas mirins. A partir de 2008, começaram a treinar também nas montanhas chilenas e argentinas em julho, como atletas da seleção brasileira. 

Para valer
Mas o primeiro teste grande para Esmeralda e Nathan realmente começará nesta reta final de temporada do hemisfério norte. Além do Troféu Borrufa, eles almejam participar do Topolino e Pinocchio, outros dois torneios infanto-juvenis que reúnem os melhores atletas do mundo nesta faixa etária. 

A primeira parada será o Borrufa, na Andorra, onde nove jovens brasileiros já competiram nos 20 anos de torneio. Criado em 1993 para atletas de até 14 anos, a competição cresceu e nesta temporada contará com atletas de 13 a 16 anos de 27 países.  

Ao todo, mais de 3 mil esquiadores já passaram pelo Troféu Borrufa nesses 20 anos. Alguns atletas de destaque no cenário internacional como Janica Kostelic e Ana Jelusic passaram pelo torneio também. 

Para Nathan, o objetivo é bem simples: terminar entre os 10 melhores e deixar para trás os atletas sul-americanos. Já Esmeralda, que passou por uma cirurgia no joelho no início de 2012, a grande meta é aprimorar a parte física para as futuras competições. 

A rotina realmente já é de gente grande. Eles conseguem esquiar quase todo fim de semana na temporada de inverno no hemisfério norte. Ambos estudam, mas acordam cedo para poderem treinar por uma hora em casa, fazendo exercícios para abdomen e pernas. 

Depois que retornam da escola, são duas horas de exercícios em academia, onde correm e fazem ginástica pré-esqui. Aproveitam quando aparece o sol para correrem também em volta da casa e na Praça da Igreja de San Pedro. Por fim, passam uma semana em junho treinando no norte da Itália, três semanas na França em julho e mais dez dias em Valle Nevado nas "férias" de agosto. 


Claro que além de gostarem muito, eles se espelham em ídolos. E aqui vai um ponto curioso. Enquanto Nathan se espelha em Bode Miller, atleta norte-americano e reconhecidamente um dos melhores do mundo, Esmeralda simpatiza com a brasileira Mirella Arnhold. 

"Tenho uma grande admiração pela esquiadora americana Lindsey Vonn, mas gostaria de atingir resultados para chegar a fazer o que fez Mirella Arnhold, que por enquanto foi a melhor atleta do esqui brasileiro.  O meu primeiro objetivo seria chegar a esse nível e depois ver onde onde mais posso chegar em termos de resultados", comentou.  

(Aqui abro o parênteses. Mirella Arnhold é a única brasileira que competiu em dois Jogos Olímpicos de Inverno no esqui alpino. Ela esteve presente em Salt Lake City, em 2002, e Turim, 2006. Sua melhor colocaçã foi a 43ª posição justamente na última edição. Apesar das atletas mais jovens ter superado Mirella na pontuação FIS, ela está na história justamente por ter desbravado tudo isso)

Os dois realmente tem tudo para superar e conseguir elevar o esqui alpino brasileiro em outro patamar. Afinal de contas, eles já mostraram que a praia deles, na verdade, é coberta com muita neve! O Blog deseja boa sorte aos irmãos e à Francisco Nobre no Troféu Borrufa!

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